Decoro mantém OAB sólida em tempos líquidos, diz Dallegrave
Em palestra que integrou a solenidade de 85 anos da OAB Paraná, o jurista José Affonso Dallegrave Neto falou sobre os desafios da advocacia em tempos de modernidade líquida, ideia presente na obra de Zygmunt Bauman. “Dizem os filósofos que nossa sociedade hoje é atomizada. Não existe mais a ideia de reunir a família para ver televisão. Nem sequer almoçamos ou jantamos juntos. É uma sociedade individualista, que tem aversão a sindicatos, a partidos políticos e agremiações. Apenas 16% dos trabalhadores são sindicalizados e somente 11% dos eleitores são filiados a partidos. Mas aí vem a Ordem. Como a Ordem dos Advogados do Brasil consegue manter sua solidez nessa maré individualista e atomizada? A resposta está em Ruy Barbosa, para quem o fator que torna uma instituição anacrônica não é antiguidade, mas a falta de decoro de quem a representa”, afirmou.
Ao lembrar que a OAB nasceu na era moderna, em 1932, Dallegrave comparou os postulados sólidos da modernidade, tão bem representados no lema da bandeira brasileira, com o tempo atual de laços frouxos e relações efêmeras, em que as pessoas não se perpetuam nos empregos, nem nos casamentos.
“Na era moderna nos venderam que conhecimento é sempre certo, objetivo e bom. Será que é realmente assim? Sabemos que a ciência varia segundo os paradigmas. A ciência não se entende. Afinal, ovo dá ou não colesterol? Michel Foucault nos sugere que temos de recorrer à arqueologia do discurso. E, fazendo isso, percebemos que a ideia de que todo o conhecimento é certo, objetivo e bom ruiu”, destacou o palestrante, para quem os tempos pós-modernos estão recheados de críticas às promessas da modernidade que não aconteceram. Exemplos dessa crítica são os documentários de Michael Moore, a dança de Débora Colker, a pintura de Joan Miró.
Para Dallegrave, a pós-modernidade inverte a ética moderna de que é preciso cumprir a obrigação para então buscar diversão. Isso porque vivemos no hedonismo e subvertemos os valores. No entanto, respondendo à pergunta de Boaventura Souza Santos, que indaga se a modernidade é ruptura ou continuidade, o jurista inclina-se para a segunda opção. “Estamos é turbinando a modernidade. Peguemos os três pilares da modernidade. Primeiro, o mercado. Ele acabou? Não, compramos até pela internet. O segundo pilar da modernidade é a tecnologia. Rompemos com ela? Também não. Temos algo que se chama smartphone, temos nanotecnologia. O terceiro pilar da modernidade é o antropocentrismo. Vejam que interessante: a moral na idade média temos de fazer a coisa certa porque Deus está vendo. Na modernidade vale o imperativo de Kant: não faças aos outros o que não deseja que façam a você. A moral da pós-modernidade é ´sorria, você está sendo filmado´”, diz apontando mais uma vez o hedonismo exacerbado de hoje.
Em meio a essa era em que a pressa é a tônica, pois temos muitas opções e muitos eventos a frequentar, colocam-se desafios para a advocacia. “Aprendemos na faculdade que a Justiça é reflexiva. Mas, como, se a sociedade está fragmentada?”, questiona. Dallegrave considera desafiador praticar a advocacia em tempos em que a estética vale mais que a ética. E recomenda: “A advocacia não é uma profissão qualquer. O advogado deve ser ético, atualizado, ter domínio da palavra. Não cabe mais o uso do juridiquês. Isso é anacronismo”.
Fonte: OAB-PR