Quando se fala em contrato de seguro de acidentes deve-se balizar o seguro de acidentes pessoais (e seguro de vida) do seguro de responsabilidade civil.
O primeiro protege o empregado que é o próprio segurado-contratante. Ocorre quando o trabalhador, sponte propria, decide celebrar contrato com a Seguradora, a qual liberará o valor do seguro à vítima ou aos seus herdeiros em caso de acidente do trabalho. Eventual litígio decorrente dessa relação abrangerá matéria de direito comum ainda que entre o trabalhador (na condição de segurado) e a companhia seguradora ou entre esta e a empregadora na condição de mera estipulante. Logo a competência será da Justiça Comum:
“É da competência da Justiça Estadual o julgamento de ações de indenização cujo objeto é a indenização decorrente de contrato de seguro de vida em grupo firmado entre a seguradora e o empregador. Trata-se de matéria de direito comum não fundada na relação de trabalho.” (TRT-PR-98402-2006-089-09-00-6-ACO-12499-2007, DJPR:-18-05-2007).
Na espécie de seguro de responsabilidade civil, o segurado é a própria empresa (empregadora) que pagará um prêmio (geralmente mensal) à seguradora objetivando a cobertura do risco, qual seja o valor da indenização acidentária fixado na apólice.
Em tais situações surge uma controvérsia: é possível denunciar a Seguradora à lide trabalhista acidentária?
A princípio a resposta seria “não”. Contudo, não se pode ignorar que a seguradora é parte interessada na investigação da causa do acidente decorrente da relação de trabalho. Não se perca de vista que a seguradora somente libera o valor da indenização à empresa-empregadora em caso de ato patronal culposo. Assim, eventual caracterização de culpa exclusiva da vítima ou força maior, a seguradora estará alijada da liberação de qualquer valor à segurada (empresa-empregadora). Ademais, a participação da seguradora na lide trabalhista facilitará a tentativa de conciliação judicial.
Nessa esteira, o magistrado e jurista Luciano Coelho, quando de decisão prolatada na Vara do Trabalho de Araucária, Paraná, concluiu pela possibilidade de integração à lide da seguradora:
“Ora, se a seguradora não participar da lide, sabendo de antemão que o empregador deverá manejar ação cível, mais custosa e demorada, o interesse na conciliação diminui sensivelmente, e é isso que tenho sentido na prática diária com as seguradoras. A não aceitação pela Justiça do Trabalho dessa competência traria ao empregador perigoso desestímulo para fazer o seguro, eis que deveria aguardar sentença condenatória para apenas então discutir a responsabilidade securitária.
Ora, nesse caso a unidade de convicção restaria prejudicada, pois novamente os fatos seriam discutidos no cível correndo-se inclusive risco de decisão contraditória.” (AIND n. 109.2006).
Nos termos do inciso III do art. 70 do CPC, a denunciação à lide é vista como um instrumento de ação incidental capaz de chamar um terceiro a juízo, o qual está obrigado por lei, ou contrato, a indenizar o dano decorrente da demanda mediante ação de regresso processada em órgão judicante de mesma competência. É, pois, exatamente o caso do chamamento da seguradora em contrato de seguro de responsabilidade civil para compor a lide acidentária-trabalhista.
Gislaine Guilhen (1) ao defender essa assertiva traz o seguinte argumento:
“A palavra que geralmente consta nos contratos de seguro é “reembolsar”, o que significa que o empregador só irá se ressarcir contratualmente perante a seguradora depois que efetuar o pagamento ao empregado. E se o empregador não tiver condições de efetuar esse pagamento? Poderá o juiz obrigar a seguradora (que não fez parte da lide) a efetuar o pagamento ao empregado? Certamente que não, pois ela não fez parte da relação processual. Mesmo na hipótese do empregador indicar à penhora a apólice de seguros (2) , o que pode ser aceito em tese, obviamente a seguradora ingressará com embargos de terceiro, o que procrastinaria ainda mais o feito e poderia levá-lo a tramitar por muito mais tempo na justiça do que aquele que seria dispendido caso tivesse sido aceita a denunciação à lide lá no início do processo de conhecimento.”
Em igual sentido já decidiu o Tribunal Regional do Trabalho. Em voto de lavra da eminente magistrada Ana Carolina Zaina, da 2ª. Turma do TRT paranaense, assim constou:
“De fato, a análise da cobertura prevista no contrato de seguro ressoa como matéria estranha à relação de trabalho. Mas por outro lado, não deixa de ter se originado em processo que visava à pacificação social no bojo de ação indenizatória de acidente de trabalho. (…) O jurisdicionado não pode ser a vítima de alterações constitucionais de competência que visam, sobretudo, à melhoria da prestação jurisdicional. Neste passo, declaramos a competência material da Justiça do Trabalho para conhecimento e julgamento dos presentes recursos.” (TRT-PR-99528-2006-002-09-00-5-ACO-04252-2007, DJPR: 23/02/07).
Em igual sentido, a I Jornada de Direito do Trabalho (3) , promovida pela Anamatra e com o apoio do TST, aprovou o seguinte entendimento:
Súmula n. 68 – INTERVENÇÃO DE TERCEIROS.
I – Admissibilidade da intervenção de terceiros nos Processos submetidos à jurisdição da Justiça do Trabalho.
II – Nos processos que envolvem crédito de natureza privilegiada, a compatibilidade da intervenção de terceiros está subordinada ao interesse do autor, delimitado pela utilidade do provimento final.
III – Admitida a denunciação da lide, é possível à decisão judicial estabelecer a condenação do denunciado como co-responsável.
Em tom de conclusão, é possível asseverar que cabe a denunciação da seguradora à lide trabalhista-acidentária seja para propiciar melhor prestação jurisdicional às partes interessadas, seja para prestigiar o princípio da unidade de convicção, evitando-se assim eventuais decisões contraditórias sobre o mesmo tema (em especial a causa do acidente de trabalho), seja porque eventual ação de regresso movida pela empregadora (segurada) em face da seguradora deverá ser julgada pela Justiça do Trabalho, por se tratar de indenização decorrente de relação de trabalho. Inteligência do art. 114, VI, da Constituição Federal.
Carreira Alvim e Leonardo Borges, ao defenderem o cabimento da denunciação à lide da seguradora, enaltecem o argumento do resultado útil da jurisdição:
“Cabe ao operador do direito levar em conta o aspecto instrumental do processo, atentando para o fato de que a Justiça do Trabalho, independentemente da matéria que nela venha a ser discutida, é uma justiça social. Portanto, não se pode interpretar a norma de modo que impeça o resultado útil da jurisdição. É importante ressaltar que as inovações constitucionais devem atender aos anseios da população que acorre ao Judiciário. O legislador reformista deixou claro que a “Reforma do Judiciário” tem como pilar fundamental a melhoria da prestação jurisdicional. Por conseguinte, não é correto utilizar-se de premissas que não atendam mais a esses anseios e ao processo social como é o trabalhista. Do contrário, para que deslocar a competência de uma “justiça” para outra? (4) Deveras, todos ganham com a denunciação à lide: o empregador, a seguradora e o trabalhador. Senão vejamos.
A vítima do acidente (trabalhador) tem interesse para garantir a mais ampla execução judicial de seu crédito ou mesmo para facilitar eventual acordo judicial com a presença da seguradora em juízo. O empregador (segurado) porque poderá beneficiar-se, de pronto, do valor da apólice para pagar ou compensar o valor da indenização devida à vítima sem necessidade de interpor posterior ação de regresso.
Finalmente, a seguradora tem interesse em ingressar na lide acidentária para poder participar de forma direta dos debates judiciais em relação aos fatos impeditivos da indenização, quais sejam a culpa exclusiva ou concorrente da vítima, força maior ou fato de terceiro. Observe-se, ainda, que a seguradora poderá, percebendo que haverá sucumbência processual, abrir mão da condição de trânsito em julgado da culpa patronal e formular proposta de acordo ao Reclamante em conjunto com a segurada (empregadora) e em valor menor do que aquele que teria que liberar por força de previsão em apólice.
José Affonso Dallegrave Neto
Mestre e Doutor em Direito pela UFPR; Advogado membro do Instituto dos Advogados Brasileiros; Diretor da ABRAT – Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas; Membro da ANDT – Academia Nacional de Direito do Trabalho; Membro da JUTRA – Associação Luso Brasileira dos Juristas do Trabalho. Professor da Escola da Magistratura Trabalhista do Paraná.
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1- GUILHEN, Gislaine Ruiz. Denunciação à lide da seguradora nas ações de indenização por acidente de trabalho e as questões relativas ao contrato de seguro. Fonte: calvet.pro.br/artigos/liderancadaseguradora.pdf Acesso em 18.3.2008
2- “Seguro. Acidente de veículo. Insolvência do causador do dano. Cobrança contra sua seguradora. Legitimidade. Insolvente o causador do dano, o crédito do lesado reconhecido em sentença pode ser cobrado diretamente da sua seguradora, a quem fora denunciada a lide, no limite do contrato. Não é requisito para a execução do contrato de seguro para cobertura de danos resultantes de acidente de trânsito o prévio pagamento por parte do segurado, quando ficar demonstrada essa impossibilidade pela insolvência do devedor. Recurso não conhecido.” (STJ, 4ª Turma, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, unânime, REsp. nº 397.229-MG, julg. 02.05.2002). (TJPR – 10ª Cam. Civ. – Proc.: 0389349-8 – j.: 22/02/2007 – Rel.: Astrid Maranhão de Carvalho Ruthes – DJ: 7319).
3- O evento foi realizado nos dias 21 a 23 de novembro de 2007 na sede do TST e com a participação de ministros e magistrados do Brasil inteiro. Da mesma forma houve representação dos advogados e procuradores do trabalho.
4- CARREIRA ALVIM E. e BORGES, Leonardo. Revista LTR, março/2007, Denunciação da Lide na Responsabilidade Civil Acidentária Trabalhista, pág. 03/319.