1. APRESENTAÇÃO
De uma maneira geral, admite-se que o ônus da prova é uma regra de julgamento. No caso da parte descumprir o ônus de produzir as provas que lhe cabem, conforme as regras de distribuição previamente postas, o juiz, diante da situação gerada (falta de prova em específico), decide contra aquela parte a quem incumbia a produção da prova determinada. Não a tendo produzido, a parte arca com a responsabilidade pela sua inércia, acarretando no reconhecimento do direito à parte contrária.
Entretanto, não se limita a tal característica. Mais que isto, a matéria aborda princípios que se valem para orientar a atividade processual das partes, mostrando-lhes a “necessidade jurídica de serem diligentes, se pretendem evitar prejuízos e inconvenientes” (2) . Tem, portanto, grande importância para as partes durante a fase instrutória também, e não somente na fase decisória do processo.
Isto porque, como regra de julgamento, recorre o magistrado ao ônus da prova quando diante da ausência ou precariedade das provas. Porém, para os advogados, é uma regra de atividade, de caráter procedimental (3). Serve como roteiro a ser observado, exatamente para que se possa ter razoável controle da incidência de tais regras de julgamento.
Assim, a parte que não observa a correta distribuição do ônus da prova assume um grande risco, de não ver provado aquilo que desejava, permitindo ao julgador que sentencie desfavoravelmente às suas alegações.
Importante ressaltar que, independente de qual a parte que produziu determinada prova, o juiz levará em conta os fatos conforme provados. Assim, se a prova cabia ao autor, mas o réu inadvertidamente a produziu, este arcará com as conseqüências, pois a prova será considerada integrante dos autos, e não pertencente à parte que a produziu.
Basta que o fato se encontre provado, e afasta-se a aplicação do ônus da prova, tomado como regra de julgamento para o caso da ausência de provas.
2. FATOS CONSTITUTIVOS, IMPEDITIVOS, MODIFICATIVOS E EXTINTIVOS
Atualmente, é pacífica a aplicação ao Processo do Trabalho do art. 818 da CLT conjugado com o art. 333 do CPC, em que pese parte da doutrina sustentar que as disposições de ambos correspondem rigorosamente à mesma coisa (4), e outro segmento afirmar que, tendo em vista o fato do art. 818 da CLT ser incompleto, mero enunciador de princípio geral, comportaria uma interpretação, a qual é obtida através da simples leitura do art. 333, I e II, do Código de Processo Civil.
O processualista Greco Filho apresenta interessante definição acerca dos fatos constitutivos, impeditivos, modificativos e extintivos:
“Mas que são fatos constitutivos? São aqueles que, se provados, levam à conseqüência jurídica pretendida pelo autor. A relevância ou não de determinado fato para a produção de certo efeito jurídico é dada pelo direito material, porque nele estão definidas as relações jurídicas e os respectivos fatos geradores de direitos subjetivos. […] Ao réu incumbe a prova da existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, ou seja, o fato que, a despeito da existência do fato constitutivo, tem, no plano do direito material, o poder de impedir, modificar ou extinguir o direito do autor” (5).
Delimitado, pois, o alcance das expressões que regram a aplicação do ônus da prova, passa-se a exemplificar na jurisprudência trabalhista a maneira como são interpretadas tais regras de distribuição, à luz do Direito Material do Trabalho.
Enquadram-se na espécie de fatos constitutivos do autor, por exemplo, a comprovação de trabalho além da jornada legal. Mas para que o empregado se desincumba do ônus de seus fatos constitutivos, deverá o empregador trazer aos autos os controles de horário, conforme dispõe a Súmula 338, I, do TST.
Outras hipóteses de fatos constitutivos: o reconhecimento de período de trabalho sem registro; a existência de salário por fora; a existência de nexo causal entre os danos sofridos e o acidente ocorrido, nos casos de acidente do trabalho; a formação de grupo econômico; a existência de diferenças salariais decorrentes da inobservância do piso salarial da categoria, por meio da apresentação da convenção ou acordo coletivo que estabeleça o alegado piso; a comprovação de diferenças nos depósitos do FGTS; a mudança de domicílio, a fim de se auferir o adicional de transferência.
Exemplo de fato modificativo é a situação de haver incontroverso pagamento extra folha, com correspondente alegação de que se trata de ajuda de custo. Estes fatos devem ser provados pelo réu.
Exemplo clássico de fato impeditivo é o exercício do cargo de confiança bancária, a ser provado pelo réu, fato este que exclui do empregado bancário o direito ao recebimento das horas excedentes da 6ª diária como extras.
Fato extintivo, via de regra, é o pagamento da obrigação pleiteada pelo empregado. O réu, ao tecer tal alegação, atrai para si o ônus de provar que já está quitado o suposto débito, mediante a apresentação dos recibos referentes (art. 464, CLT).
Há um caso emblemático no Direito do Trabalho, no qual as regras do ônus da prova são divididas entre os litigantes, em relação a um mesmo instituto – a equiparação salarial.
A jurisprudência formou entendimento de que, nestes casos, é do autor o ônus de provar o seu fato constitutivo, qual seja, a identidade de funções. Todos os demais requisitos estariam na seara dos fatos modificativos, impeditivos e extintivos. Assim, atribuiu-se ao Réu o ônus de comprovar a diferença de produtividade e perfeição técnica, em relação ao paradigma, bem como a diferença de tempo na função superior a dois anos e a prestação dos serviços em localidade diversa. Neste sentido, a Súmula nº. 06, VIII, do C. TST (6).
3. CRITÉRIOS PARA DEFINIÇÃO E INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA
Como regra informadora da atuação do advogado na defesa de seus clientes, assim como regra de julgamento, por parte do Poder Judiciário, que vai definir o êxito ou a derrota da parte na demanda, o procedimento de aplicação das regras referentes ao ônus da prova deve obedecer a uma seqüência lógica. Há necessidade de se obter a máxima segurança jurídica quanto a este ponto central dentro da disciplina processual.
Apesar da necessidade de regras absolutamente claras e precisas acerca das etapas a serem vislumbradas até se chegar à aplicação do ônus da prova, ou a sua inversão, como regra de julgamento, não há na doutrina ou jurisprudência um critério preciso para tal, mas meramente casuístico.
Como o Processo do Trabalho é uma disciplina ainda relativamente recente, se comparada a outros ramos, como Direito Civil, que possui instituições milenares, as divergências de entendimentos e posições são plenamente compreensíveis e justificáveis, dado à autonomia científica que a matéria deve possuir.
Como se observará, a doutrina processual trabalhista, de um modo geral, estabeleceu os critérios para a fixação do ônus da prova justamente em tópicos relativos à inversão do ônus da prova. Acreditamos, porém, que a inversão do ônus da prova é uma condição específica e restrita, não constituindo propriamente “inversão” a maior parte dos casos apresentados como tal.
4. FATOS QUE INDEPENDEM DE PROVA – ART. 334 DO CPC
Antes de adentrar no mérito de qual parte detém o ônus probatório, é necessário verificar se aquele determinado fato realmente depende de prova. Uma vez que a lei expressamente exclui certas modalidades de fatos da questão probatória, o raciocínio deve seguir esta ordem lógica para que a estratégia do advogado e a decisão do magistrado sejam acertadas.
Tais questões são aquelas trazidas pelo art. 334 do CPC, que trata dos fatos que independem de prova, e que, portanto, não são resolvidos propriamente pelo ônus da prova. Na verdade, a este precedem. Dispõe expressamente o Código de Processo Civil que:
“Art. 334. Não dependem de prova os fatos: I – notórios; II – afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária; III – admitidos, no processo, como incontroversos; IV – em cujo favor milita presunção legal de existência ou de veracidade”.
Esta disposição se justifica na medida em que, para que o fato seja objeto de prova, deve ser controvertido, relevante e determinado (7). Nas hipóteses de incidência do art. 334, os fatos não são assim considerados.
4.1. PRESUNÇÕES
Presunção é um processo pelo qual, partindo-se de um fato conhecido, admite-se como verdadeira a existência de um fato desconhecido. O que assegurará os efeitos de presunção é o nexo causal entre o fato conhecido e o desconhecido.
Isto não significa que quem se vale da alegação de uma presunção deve ficar inerte. Apenas não prova o fato presumido pela lei. Mas deve provar, todavia, a existência dos fatos nos quais a lei fundamenta a sua presunção, ou seja, o fato conhecido. Deve ser provado exatamente para que seja conhecido.
Conforme as presunções resultem do raciocínio do juiz que as estabelece, ou do legislador, que as consagra num preceito legal, se dizem simples (praesumptio hominis) ou legais (praesumptio iuris), respectivamente. Nas simples, também conhecidas por comuns ou do homem, o juiz faz o raciocínio e estabelece a presunção; nas legais, é o legislador quem faz o raciocínio, ao passo que a lei estabelece a presunção.
Por seu turno, a doutrina clássica divide as presunções legais em absolutas (iuris et de iure) e relativas (iuris tantum). No que tange às primeiras, não são admitidas provas em contrário, ao passo que as segundas admitem.
Vislumbra-se também na doutrina mais moderna uma terceira modalidade, as chamadas presunções legais mistas (8). Estas, assim como as relativas, consideram a existência de um fato presumido, o qual pode ser elidido por prova em contrário. No caso das presunções mistas, porém, este fato só poderá ser revertido por uma prova específica, que deve ser precisamente aquela definida na lei.
Aí se encontra uma das formas de manifestação da regra de pré-constituição da prova. Nesta modalidade de presunção, o réu só poderá produzir prova no sentido de elidir a aplicação dos efeitos da presunção, caso não apresente os documentos sobre os quais paira regra de pré-constituição.
O Tribunal Superior do Trabalho dispôs, por reiteradas vezes, acerca de questões referentes às presunções legais. Uniformizou sua jurisprudência, interpretando alguns dispositivos da CLT, e por isso, ratificou a existência e aplicação de algumas das presunções legais.
Nesta linha, é possível se verificar a presunção trazida pela Súmula 12 do TST. Ao interpretar o art. 456 da CLT, o qual estabelece que a prova do contrato de trabalho será feita pelas anotações da CTPS, aduz que, no que tange à tais anotações, elas fazem presunção iuris tantum do seu teor.
Uma Súmula que ganhou destaque na doutrina é a de número 212. Na linha de raciocínio de que o ordinário se presume, o extraordinário se prova, dispôs ostandard jurisprudencial que, uma vez negados a prestação do trabalho e o despedimento, presume-se que a dispensa foi imotivada. Isto porque a relação de emprego está pautada no princípio da continuidade. Esta presunção decorre da interpretação do art. 442 e seguintes da CLT, que estabelecem com regra geral o contrato de trabalho por prazo indeterminado, e como exceção o contrato a termo.
Portanto, a parte que se beneficia de uma presunção está dispensada da produção da prova do fato presumido em lei. Caso dela se valha, e a parte contrária não produzir a contra-prova (se a presunção for iuris tantum), obterá êxito na demanda.
5. PRINCÍPIO DA APTIDÃO PARA A PROVA
Nas lides trabalhistas, por maior que seja o empenho do empregado para obter êxito na demanda, muitas situações há em que somente é possível a produção da prova pela obtenção de meio probante que se encontra em poder da parte adversa que, via de regra, não teria interesse na sua produção.
Estêvão Mallet aborda as clássicas regras de distribuição do ônus da prova, pautadas na igualdade formal das partes, como discriminação ao trabalhador. Aduz que:
“as regras relativas ao ônus da prova, para que não constituam obstáculo à tutela processual dos direitos, hão de levar em conta sempre as possibilidades, reais e concretas, que tem cada litigante de demonstrar suas alegações, de tal modo que recaia esse ônus não necessariamente sobre a parte que alega, mas sobre a que se encontra em melhores condições de produzir a prova necessária à solução do litígio, inclusive com inversão do ônus da prova. Com isso, as dificuldades para a produção da prova, existentes no plano do direito material e decorrentes da desigual posição das partes litigantes, não são transpostas para o processo, ficando facilitado inclusive o esclarecimento da verdade e a tutela de situações que de outro modo provavelmente não encontrariam proteção adequada” (9).
Isto posto, passa-se a analisar as possíveis formas de aplicação do princípio da aptidão para a prova, quais sejam: a exibição incidental de documentos ou coisas pré-constituídos e a inversão do ônus da prova.
5.1. FORMAS DE APLICAÇÃO
5.1.1. EXIBIÇÃO INCIDENTAL DE DOCUMENTOS OU COISAS PRÉ-CONSTITUÍDOS
Como regra geral, os documentos atinentes à relação de emprego permanecem em poder do empregador, que possui poderes de gestão sobre o empregado, a qual dá origem à subordinação jurídica e à desigualdade material. O contrato de trabalho é executado, via de regra, nos limites da unidade produtiva, que é de propriedade do empregador, ou sob o controle deste, mesmo que indiretamente. É do empregador que se exige vasta relação de documentos para que esteja regularmente operando.
Dentro da legislação trabalhista, verifica-se a ocorrência clara do princípio da aptidão para a prova, por exemplo, no art. 464 da CLT, que dispõe sobre a obrigatoriedade da existência do recibo de pagamento de salários por parte do empregador. É certo que, diante deste caso, é o empregador que estará apto a produzir as provas referentes às verbas salariais que porventura venham a ser objeto de lide trabalhista.
Se for requerida a exibição de documentos que por lei devam existir, e que se encontram em poder do empregador, não há propriamente a inversão do ônus da prova. Este continua com o empregado, que necessita daquele documento para se desincumbir do ônus dos seus fatos constitutivos.
Se o réu efetivamente os trouxer, cabe novamente ao autor, com estes em mãos, indicar a existência dos fatos constitutivos, devendo elaborar demonstrativo, indicando ao juízo os fatos porventura expressos nos documentos requeridos diante do princípio da aptidão para a prova. Na hipótese de o réu não respeitar esta forma de aplicação do princípio da aptidão probatória, arcará com as penas do art. 359 do CPC (10). Não há, portanto, inversão do ônus da prova.
Conforme a exegese da Súmula 338, I, do TST, os controles de horário são considerados prova pré-constituída obrigatória, e a sua não apresentação acarretará o reconhecimento da jornada descrita na petição inicial, independente de determinação judicial.
A eficácia do simples requerimento da parte autora para que o réu traga aos autos os documentos ou coisas com as quais pretende se desincumbir de seu ônus, independentemente de ordem judicial para tal, é decorrência da adaptação do instituto previsto nos arts. 355 a 359 do CPC ao Processo do Trabalho. A ausência de audiência preliminar para saneamento do processo, como ocorre no Processo Civil, justifica esta adaptação.
5.1.2. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA
Outra expressão do princípio da aptidão para a prova, é a possibilidade de o juiz, pautado na hipossuficiência do empregado e na verossimilhança de suas afirmações, determinar que o réu produza alguma prova, que ainda não existe (não é pré-constituída). Aí sim se estará diante da inversão do ônus da prova, propriamente dita.
Veja-se o caso, por exemplo, de um acidente de trabalho, ou então quando o trabalhador busca o recebimento de adicional de insalubridade. Nestas hipóteses, poderá o juiz inverter o ônus da prova e determinar que a parte contrária arque com os custos de sua produção. Ou seja, é a própria parte a quem originariamente não incumbia o ônus que terá que produzir a prova, até então inexistente.
Quando aqui se faz referência à hipossuficiência do trabalhador, está se falando do caso concreto, e não da hipossuficiência presumida de todo trabalhador. As circunstâncias de fato, aliadas à verossimilhança das alegações, devem refletir na condução do processo pelo juiz. É neste sentido que se aplicam os conceitos apresentados pelo Código de Defesa do Consumidor (art. 6º, VIII) ao Processo do Trabalho.
6. APLICAÇÃO DO ÔNUS DA PROVA
Se nenhuma das hipóteses supra analisadas se verificar no caso concreto, passam então a incidir as regras de distribuição do ônus da prova conforme dispõem os arts. 818 da CLT e 333 do CPC. Ou seja, após serem cumpridas as etapas do raciocínio necessárias para a adequação da distribuição do ônus da prova ao Processo do Trabalho, que necessariamente deve levar em conta as disparidades materiais dos litigantes, passa a incidir a regra comum.
Em outros termos, feitas tais avaliações e adequações, já é possível se estabelecer com segurança a quem incumbe o ônus da prova no Processo do Trabalho, com os riscos de se incorrer em injustiça devidamente minorados.
Em um plano ideal, o juiz não deveria ter mais dúvidas, ao final da instrução probatória. Todavia, se esta ainda permanecer, poderá o julgador se valer das máximas de experiência a fim de supri-las. Para que não prevaleça a parcialidade, deve afastar o princípio in dubio pro operario, nas questões relativas à valoração da prova, conforme passamos a demonstrar.
7. MÁXIMAS DA EXPERIÊNCIA
As máximas da experiência não se referem à existência de um determinado evento, mas às conclusões extraídas de um estudo do comportamento social. A sua utilização, que está devidamente autorizada pelo artigo 335 do CPC (11), pode se referir a duas modalidades: a) regras de experiência comum do juiz, que se ligam mais à sua cultura geral, àquilo que habitualmente ocorre num local ou em relação a uma certa questão. Podem ser livremente aplicadas, “independente de prova das mesmas” (12); b) regras de experiência técnica que, diversamente da comum, provém de conhecimento especializado em determinada ciência, arte ou profissão, solicitando, nestes casos, a atuação de um perito conhecedor da matéria específica. É o que condiciona a parte final do artigo.
Exemplificativamente, o juiz poderá delas se valer para fixar o valor de uma determinada indenização, com base em critérios decorrentes das máximas de experiência, ou para fixar o tempo gasto com a troca de roupas, ou a duração de um banho, diante de um pedido de horas extras, com base naquilo que normalmente acontece.
8. CONCLUSÃO
As regras de distribuição do ônus da prova não são meramente regras de julgamento, mas regras orientadoras da atividade das partes, na busca de êxito na demanda.
O juiz poderá atuar livremente na busca da verdade real, independente da postura adotada pelas partes, no que se refere ao exercício dos seus respectivos ônus probatórios. Todavia, o faz em caráter concorrente às partes, não estando obrigado a assim proceder.
Ao nosso ver, a fixação do ônus da prova deve percorrer o seguinte caminho: primeiramente, analisam-se as hipóteses do art. 334 do CPC, que trata dos fatos que não dependem de prova, em especial no que se refere às presunções. Se os fatos não dependem de prova, a questão é encerrada antes mesmo de se cogitar o ônus da prova.
Na seqüência, verificam-se as questões ligadas ao princípio da aptidão para a prova, o qual estabelece que a prova deverá ser produzida pela parte que se encontra em melhores (ou exclusivas) condições para produzi-la, podendo se manifestar de duas diferentes formas:
a) pela exibição de documentos e coisas, hipótese em que o empregado poderá se desincumbir de seus fatos constitutivos por meio da prova que se encontra em poder do empregador, enquadrando-se neste conceito a pré-constituição da prova;
b) pela inversão do ônus da prova propriamente dito, ocasião na qual o empregador-réu será compelido a produzir prova, que ainda não exista. A inversão do ônus da prova é exceção, devendo ser aplicada meticulosamente diante do caso concreto.
As disposições do Código de Defesa do Consumidor, no que tange à inversão do ônus da prova, são aplicáveis ao Processo do Trabalho. Todavia, não é necessária a menção ao art. 6º, VIII, do CDC, pelo juiz do trabalho, posto que o princípio da aptidão para a prova, se interpretado originariamente sob o viés do Direito Processual do Trabalho, leva às conclusões expressas no CDC. Não há necessidade de previsão legal expressa para que possa haver a inversão do ônus da prova.
Somente após estarem superadas estas questões é que serão aplicadas as disposições do art. 333 do CPC, que traz a clássica distribuição do ônus da prova no Processo Civil. Este comando legal se aplica ao Processo do Trabalho na medida em que correspondente precisamente ao enunciado exposto no art. 818 da CLT.
Refutamos a aplicação do princípio in dubio pro operario, no aspecto referente à valoração da prova, por entendermos que esta manifestação do princípio da proteção se presta exclusivamente à questão da hermenêutica das normas, mesmo as processuais. A sua transposição para o campo da valoração da prova, ou seja, a sua utilização como critério para decidir em favor do empregado mesmo quando o empregador tenha se desincumbido de seu ônus, como no caso da prova dividida, tem caráter unicamente ideológico, e não científico, não se adequando ao princípio da razoabilidade, que em um plano axiológico, deve prevalecer.
Mais adequado se afigura, a nosso ver, a aplicação das máximas de experiência, expressamente previstas no art. 335 do CPC, quando, mesmo superadas as fases relacionadas à fixação do ônus da prova, ainda paire dúvida na consciência do julgador.
Cremos que, se percorrida esta seqüência, que reconhece a desigualdade material entre as partes envolvidas na típica demanda trabalhista como sendo uma circunstância de fato, sem, contudo, deixar prevalecer o caráter meramente ideológico, estará se proporcionando ao jurisdicionado uma adequada tutela de direitos, pautada em critérios razoáveis e objetivos.
Otávio Augusto Constantino é advogado, formado pela PUC/PR, especialista em Direito do Trabalho pela APEJ/Unibrasil. Co-autor da obra coletiva “Direito do Trabalho – Reflexões Atuais”, Editora Juruá, 2007. Atua na área trabalhista, no escritório Dallegrave Neto Advocacia Trabalhista.
2- MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Processual Civil. Vol. II, 1ª parte. 5ª ed. rev. São Paulo : Saraiva, 1979, p. 188.
3- MEIRELES, Edilton. Inversão do ônus da prova no processo trabalhista. Gênesis – Revista de Direito do Trabalho. Curitiba, n.51, p.305-448, mar/1997, p. 318.
4- MACHADO JÚNIOR, César Pereira da Silva. O Ônus da Prova no Processo do Trabalho. 2ª ed. São Paulo : LTr, 1995, p. 94.
5- GRECO FILHO, Vicente, op. cit.,, pp. 176/177.
6- “VIII – É do empregador o ônus da prova do fato impeditivo, modificativo ou extintivo da equiparação salarial. (ex-Súmula nº. 68 – RA 9/77, DJ 11.02.1977)”.
7- SANTOS, Moacyr Amaral, op. cit., p. 32.
8- LEONARDO, Rodrigo Xavier. Imposição e Inversão do Ônus da Prova. Rio de Janeiro : Renovar, 2004, p. 240.
9- MALLET, Estêvão. Discriminação e processo do trabalho. Revista do TST. Rio de Janeiro. V. 65, n.1, p. 148-159, out/dez 1999, p. 154.
10- “Art. 359. Ao decidir o pedido, o juiz admitirá como verdadeiros os fatos que, por meio do documento ou coisa, a parte pretendia provar: I – se o requerido não efetuar a exibição, nem fizer qualquer declaração no prazo do art. 357; II – se a recusa for havida por ilegítima”.
11- “Art. 335. Em falta de normas jurídicas particulares, o juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e ainda as regras de experiência técnica, ressalvado, quanto a esta, o exame pericial”.
12- SANTOS, Moacyr Amaral, op. cit., p. 43.