Há poucos dias (05.05.2009), por meio da Súmula nº 380, o STJ manifestou entendimento de que “a simples propositura da ação de revisão de contrato não inibe a caracterização da mora do autor”. No mesmo dia, anunciou o STJ, por intermédio da Súmula nº 381, que “nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas”.
Critiquei com veemência as duas primeiras súmulas com base na principiologia consumerista e civilista, defendendo posicionamento jurídico diferente, inclusive citando outros julgados do próprio STJ. Depois dessa última súmula, porém, não vejo que tenha mais importância a crítica com base em princípios jurídicos. Não adianta mais. O caso do STJ é de outra ordem. É opção ideológica mesmo!
Como se diz aqui no sertão: “além da queda, o coice”. Ora, já foi dito pelo STJ que ao julgador é vedado o conhecimento de ofício das cláusulas abusivas nos contratos bancários (será que pode em outros contratos?). Sendo assim, quer dizer logo o STJ, antes que algum julgador se arvore a fazer diferente, que estipular juros em taxas estratosféricas, por si só, não constitui abusividade. Com a benção do STJ, portanto, a usura está ressuscitada! Viva o STJ!
O “sétimo ai!” do profeta Isaías contra os grandes de Judá nunca foi tão atual: “Ai dos que promulgam decretos iníquos e, quando redigem, codificam a miséria; afastam do tribunal os indefesos, privam dos seus direitos os pobres do meu povo, fazem das viúvas a sua presa e despojam os órfãos.” Is 10, 1-2.
Sobre o enriquecimento por meio dos juros exorbitantes, de outro lado, nem é preciso citar Marx, pois Aristóteles, mais de três séculos antes de Cristo, já manifestava indignação com relação à usura: “o que há de mais odioso, sobretudo, do que o tráfico de dinheiro, que consiste em dar para ter mais e com isso desvia a moeda de sua destinação primitiva? Ela foi inventada para facilitar as trocas; a usura, pelo contrário, faz com que o dinheiro sirva para aumentar-se a si mesmo…”
Qual a justificativa, portanto, para as recentes súmulas do STJ relacionadas aos contratos bancários e à fixação das taxas de juros? Como imaginar taxas acima de 12% ao ano, quando a própria taxa Selic, em queda contínua, está fixada pelo Comitê de Política Monetária em “10,25 % a.a., sem viés, por unanimidade”, conforme consta da ata da última reunião do Copom?
Não tenho dúvida, por fim, de que há um elemento fortemente ideológico nas motivações do STJ. Com efeito, segundo o desembargador Rui Portanova, do TJRS, “todo homem, e assim também o juiz, é levado a dar significado e alcance universal e até transcendente àquela ordem de valores imprimida em sua consciência individual. Depois, vê tais valores nas regras jurídicas. Contudo, estas não são postas só por si. É a motivação ideológica da sentença. Pelo menos três ideologias resistem ao tempo e influenciam mais ou menos o juiz: o capitalismo, o machismo e o racismo”.
Observa ainda o magistrado Portanova que “o juiz que não tem valores e diz que seu julgamento é neutro, na verdade está assumindo valores de conservação. O juiz sempre tem valores. Toda sentença é marcada por valores. O juiz tem que ter a sinceridade de reconhecer a impossibilidade de sentença neutra”.
No mesmo sentido, outro grande magistrado brasileiro, João Batista Herkenhoff, constata que é inevitável a aplicação axiológica do Direito pelo Juiz, pois “queira ou não queira, consciente ou inconscientemente, está, a todo instante, trabalhando com uma tabela axiológica, filosofando”.
Em consequência, segundo outro grande magistrado brasileiro, Lédio Rosa de Andrade, os julgadores se acham “neutros, aplicadores não só do direito, mas também da justiça. Sequer cogita, a maioria, e a minoria não admite, a possibilidade de serem legitimadores, os julgadores, do poder instituído, de estarem agindo, segundo os interesses de uma pequena classe privilegiada”.
O que se quer dizer, por fim, é que o conteúdo das referidas súmulas – mais do que ilegais ou contrárias aos princípios gerais do Direito – apenas refletem, quer eles queiram ou não, a ideologia dos ministros do STJ. Portanto, não se trata de má-fé ou desconhecimento do Direito, mas uma opção ideológica que confirma, na prática, a suposição do desembargador Portanova: “a lei nem sempre revela o Direito; pelo contrário, muitas vezes consagra privilégios”.
Em minha opinião, as súmulas do STJ também, pois segundo outro grande magistrado brasileiro, Amilton Bueno de Carvalho, “quem é cego ou neutro na disputa entre opressor e oprimido é aliado daquele”.
Por Gerivaldo Alves Neiva,
Magistrado (BA).E-mail – gerivaldo_neiva@yahoo.com.br
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